“O bom pescador precisa ser peixe”, diz o comandante do nosso barco, ancorado no Saco do Mamanguá, no Rio de Janeiro. A máxima a que ele se refere diz um tanto também sobre o olhar da grife de hospitalidade brasileira Ocanto, que enxerga a experiência do viajante como uma oportunidade de conexão insider e imersiva com o destino visitado, indo além daquilo que é instantaneamente percebido como belo na superfície – no meu caso, a água cristalina em tom de verde-esmeralda que rodeia as mais de 64 ilhas e 300 pequenas praias da região. Chamada de Maria Panela, a embarcação faz parte do menu de serviços da Pousada Literária de Paraty, que desde 2013 se mantém como a hospedaria silenciosamente charmosa do jet-set cultural no centro histórico da cidade (guardadas as devidas proporções do termo originado na indústria da moda, não seria errado usar o termo “quiet luxury” ao se referir a ela).
Foto: Albori Ribeiro/Divulgação
Sim, o passeio de seis horas do Maria Panela escancara a beleza da paisagem natural, oferecendo aos grupos embarcados (de 20 pessoas, no máximo) atividades como mergulho, snorkeling e stand-up paddle, mas a escuna não foi batizada sob esse nome a tôa. Está na mesa seu grande trunfo: uma experiência gastronômica criada a partir de sabores nativos, respeitando a origem e a sazonalidade dos ingredientes. No dia em que estive à bordo, explodiram os sabores do ceviche de cajú, da mousseline de banana da terra, do bobó de camarão e da farofa crocante com farinha da Graúna, acompanhados da Salada Paratiana, feita com laranja Bahia, erva doce, hortelã, coentro, limão e amêndoas defumadas sobre uma cama de folhas verdes orgânicas. Trata-se de um menu que consegue, simultaneamente, ser sofisticado (com inteligência criativa aplicada à rica oferta de sabores brasileira) e despretensioso (tudo é preparado na sua frente pela chef Fernanda Valdívia que, descalça – como manda o protocolo de segurança à bordo – faz sua mágica em uma pequena cabine de madeira adaptada para operar como cozinha profissional sobre o mar).
Foto: Albori Ribeiro/Divulgação
“Ter nossa premissa nas características locais é parte da proposta de valor do grupo, mas isso se une através de um serviço cuidadoso, afetivo. Não é um serviço formal – com aquele ‘sim senhor, não senhor’, que te distancia – mas algo que permite que você esteja à vontade”, me contou Pedro Treacher, diretor do grupo, pelo telefone, alguns dias depois. “Além disso, todo mundo que come bem vai embora mais feliz”, explica, bem-humorado, sobre a ênfase na qualidade gastronômica do grupo (que mantém também as pousadas Tutabel, em Trancoso, e Trijunção, na divisa dos estados da Bahia com Goiás e Minas Gerais). “A gente investe em uma gastronomia que privilegie os elementos locais – quase o chamado ‘quilômetro zero’. Por exemplo: quando entra o defeso do camarão, não compramos 100 quilos e congelamos tudo; o camarão simplesmente sai do cardápio. Temos que trabalhar – e viver – pensando sempre que estamos inseridos em uma comunidade”.
Foto: Albori Ribeiro/Divulgação
Na lancha que nos leva de volta à marina, vendo o pôr do sol, a sensação é de que a digestão não passa somente por aquilo que nos alimenta pelo paladar. Inevitável pensar que Paraty, de fato, é um lugar farto para todos os sentidos – precisamente a razão pela qual a UNESCO nomeou a cidade como Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade, e motivo de ser também do nome da pousada, que celebra a relação do local com a FLIP (Feira Literária de Paraty), que por sua vez já somava uma década de vida antes do casarão abrir as portas para hóspedes. Mas se há algo que a Literária (a pousada, não a feira) faz bem é se manter entrelaçada com a cultura o ano todo: quem já passou uma ou mais noites por ali conhece a curadoria cuidadosa de livros disponível dentro dos quartos (um recorte do acervo de mais de 2 mil títulos da pousada) e também fora deles – a poucos passos dali é possível encontrar a Livraria das Marés, colada ao já celebrado restaurante Quintal das Letras, abastecido diariamente com ingredientes da Fazenda Bananal (o parque ecológico mantido pelo grupo, que recebe hóspedes, visitantes e também programas de educação socioambiental). Pois é, mais do que a porta que dá acesso direto da pousada a seu restaurante, tudo ali está integrado.
A proposta do grupo Ocanto é real mas também conta novas histórias. É regional, mas valoriza o Brasil em um contexto internacional. “Acho que veremos cada vez menos hotéis com um olhar, digamos, mais pasteurizado, no qual você viaja para um destino e se hospeda num hotel que poderia literalmente estar em qualquer lugar do mundo”, opina Pedro. “A descoberta, a memória que uma experiência original vai gerar: isso sim é especial”, finaliza. Não dá para discordar dele.
Foto: Albori Ribeiro/Divulgação