Entrar no mundo de Eartheater significa descobrir um mundo que não é mais completamente humano. Um mundo em que as mulheres criam asas de dragão e chifres de demônio, abrem a boca para soltar caracóis prateados que cobrem seus corpos nus ou montam corcéis majestosos para viver aventuras, antes de se reunirem junto ao fogo para contar suas odisseias por meio de suas canções cristalinas e dos sons delicados dos instrumentos de corda.
Ao mesmo tempo telúrica, etérea e explosiva, Alexandra Drewchin – o seu verdadeiro nome – é uma verdadeira alienígena da música contemporânea. Revelada mundialmente nos últimos anos por seus últimos seis trabalhos, mas também por sua presença na moda, a americana já tem cinco álbuns de estúdio em seu currículo. “Gosto de manter o público em suspense, para que ele nunca saiba o que esperar antes de me descobrir”, confidenciou a artista. Até agora, a aposta parece confirmada, pois assim como sua imagem, a música da nova- iorquina - que desenvolve, há sete anos, um som híbrido entre o dream pop etéreo, o folk psicodélico experimental e o eletro pop incandescente - nunca deixa de desafiar as expectativas.
Na entrevista, Alexandra Drewchin se expressa quase como nas letras de suas canções. Em suas palavras, elementos e metáforas prevalecem, sonhos e o mundo tangível se misturam para forjar uma nova realidade: por um tempo, ela para em uma nuvem que flutua no céu, cuja forma incrível a fascina e a faz lembrar de sua própria representação em nuvem no clipe de sua faixa Scripture; mais tarde, ela relata em termos pitorescos seu encontro fantasmagórico com Madonna através dos vapores de uma jacuzzi, iluminada pela lua cheia. Em uma primeira entrevista, a cantora já descrevia com admiração o ambiente em que cresceu. Criada em uma fazenda na Pensilvânia, isolada da civilização, da música e do entretenimento popular (sem televisão ou computador em casa), a jovem Alexandra passava os dias cuidando das galinhas e do pônei, tendo aulas com seus pais, que a educaram em casa, escrevendo poemas e cantando enquanto passeava por sua casa, de uma gruta mágica onde crescem orquídeas a um encantador rio arborizado que a faz lembrar do “reino ‘élfico’ do Senhor dos Anéis”. Aos 18 anos, alimentada por uma imaginação já abundante, ela deixa o interior para se estabelecer em Nova York e embarcar na música autodidata com seu instrumento favorito, o violão. Depois de alguns anos fazendo parte de um grupo, a artista escolhe um pseudônimo que também reflete sua relação visceral com a natureza e seus recursos: Eartheater, uma palavra que significa literalmente “comedora de terra”, inspirada por um dos personagens do romance Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez: uma jovem que dá vazão às suas angústias devorando o solo.
Cabelo: Quentin Lafforgue (Agence Saint Germain). Maquiagem: Lili Choi (Calliste Agency). Manicure: Eri Narita (WSM). Cenografia: Manon Everhard. Assistentes de realização: Tabitha Hodgson e Cristina Medina
Sua música também incorpora com grande sutileza essa transformação fantástica, até mística, do ambiente através de seu olhar atento. Desde seus primeiros álbuns Metalepsis e RIP Chrysalis (2015), depois Irisiri (2018), a artista conduz o ouvinte em uma viagem intimista para um éden misterioso. Os ritmos abafados poderiam evocar o bater de águas trêmulas, os arpejos da harpa ou do violão parecem evocar as cores e as luzes de uma vegetação exuberante, enquanto os movimentos de uma fauna imaginária parecem encontrar seu eco no ranger frenético das cordas dos violinos, ou nas notas agudas extremas e nas sobreposições polifônicas da voz da cantora, às vezes lembrando as vocalizações dos cetáceos que vagam pelos oceanos. A própria artista fala de sua música como se fosse uma pintura onde melodias e instrumentos incorporam pigmentos que ela poderia borrifar e depois espalhar sobre uma tela. Tão estranha quanto voluptuosa, a paisagem musical que ela compõe surpreende muitas vezes o ouvido, ora lembrando os épicos vocais de Björk e Imogen Heap, ora os experimentos dissonantes da dupla CocoRosie ou mesmo o folk feérico de Diane Cluck e Joanna Newsom. Pouco a pouco, Eartheater sai de sua crisálida, especialmente com o álbum Trinity que lançou em 2019 por seu próprio selo Chemical X, fundado nessa ocasião.
Ao longo de dez títulos onde se aventura em um gênero mais próximo do eletro, do hiperpop e até do trap, a cantora optou por se concentrar nas batidas e convidou pela primeira vez sete produtores para colaborarem com ela. Através destes meandros sonoros sensuais em que se pode deslizar de uma faixa para outra sem rupturas, Alexandra Drewchin revela uma metáfora criada a partir da água em todos os seus estados – sólido, líquido, gasoso – para evocar seu próprio desejo. “Há muita sexualidade no que faço, mesmo que nem sempre seja percebida”, declara sem rodeios. É uma força muito poderosa que mobilizo quando canto.”
Essa relação assumida da jovem de trinta anos com seu corpo culmina na capa do álbum Phoenix: Flames Are Dew Upon My Skin, lançado no outono de 2020. Contra um fundo de cores ardentes, a cantora, vestida com um espartilho de pérolas, fica de costas para a câmera para revelar asas de morcego em suas costas, enquanto faíscas jorram do chão entre suas pernas nuas. Uma declaração visual que não deixou de seduzir o mundo da moda: desde suas músicas, escolhidas para pontuar os desfiles de Chanel e de Proenza Schouler, até suas aparições nas campanhas de Mugler e de Dion Lee, Eartheater afirma a imagem de uma mulher forte, sensual e misteriosa, que mantém inclusive a direção artística completa de seus projetos. Letrista e compositora por trás de todos os seus títulos e de sua instrumentação, diretora de vários dos seus videoclipes, a americana continua a sua trajetória cercando-se cada vez mais de figuras que cruzam a sua visão criativa: depois de colaborações com os cantores, produtores e DJs Sega Bodega e LSDXOXO, ela aparecerá em uma faixa de Grimes, outro alienígena do eletro pop em cujo rastro a americana inegavelmente se inscreve. Em seu próprio selo Chemical X, Alexandra Drewchin foi a mentora da estreia musical de Lolahol, também conhecida como Lourdes Maria Ciccone Léon, a filha mais velha da Rainha do Pop, demonstrando seu desejo de reunir uma comunidade de artistas livres das restrições das gravadoras e da indústria musical.
Hoje, Eartheater parece ter encontrado o equilíbrio entre sua vida ativa na cidade – entre a cena underground de Nova York e turnês internacionais – e suas raízes rurais, reservando notadamente momentos mais calmos para escrever seu sexto álbum. Essa ambivalência também se revela em suas apresentações no palco.
Há pouco mais de um ano, a artista subiu ao palco do auditório da Bourse de Commerce, no coração de Paris: usando um vestido preto da grife Givenchy, os cabelos castanhos delicadamente penteados em volta do rosto e com o violão na mão, a cantora, cercada por alguns violinos, violas e um piano de cauda, deixou sua voz voar elegantemente em melodias celestiais nas faixas acústicas de seu último álbum, criando um precioso momento de poesia em um ambiente intimista. Alguns meses depois, ela retorna ao Parc de Vincennes, dessa vez acompanhada apenas por seu DJ, para tocar no festival We Love Green: a descobrimos então no arquétipo de uma “bimbo” californiana usando uma peruca loira, grandes óculos escuros, minishorts jeans e um top rosa cintilante, incendiando o palco e seus milhares de espectadores nas faixas mais eletro de sua discografia. Apesar destas múltiplas personificações e deste ecletismo, Eartheater afirma com convicção não ter um alter ego. Surge apenas a imagem de uma mulher profundamente criativa e livre, que insiste em seguir seus instintos ao mesmo tempo em que mantém sua integridade.