Quando você percebeu que o “sportainment” era um bom caminho para os negócios?
Vou contar um segredo: registrei esse termo, junção de esporte e entretenimento, uns 10 anos atrás no Brasil. Hoje, ele está em todo lugar. Mas tive o primeiro insight há mais de 20 anos. Em 2002 eu era um jovem advogado da área do esporte andando por Madri com ternos mal cortados. Mas estava no lugar certo, na hora certa. Em 1999, quando o Flamengo assinou o contrato com a International Sports Legion, a maior empresa de marketing esportivo do mundo na época, fui chamado para fazer a tradução do documento, porque o presidente do clube não falava inglês. E aí, na reunião final, o diretor da ISL fala assim: “Parabéns a todos, agora temos que trabalhar em outra coisa: queremos contratar o [jogador italiano] Roberto Baggio para o Flamengo”. Peraí, o mesmo Roberto Baggio que perdeu o pênalti em 1994? Aquele com um mulletzinho? Não tinha internet nem rede social, e os caras achavam que, com uma figura internacional, transformariam o Flamengo em uma marca forte e globalizada. O outro insight veio mais tarde, quando me chamaram para fazer o segundo contrato do [jogador brasileiro de futebol] Roberto Carlos com o Real Madrid. E esse era o momento dos “Galácticos” – que, eu viria a descobrir, não era apenas um time, mas um produto. Até então, os contratos que fazia tinham quatro páginas: venda do jogador X, para o clube Y, valor da transferência, salário, acabou. Com os Galácticos, a coisa ficou mais complexa. O Real Madrid me mandou dois documentos: um para o trabalho do Roberto, e o outro, de troca de propriedade intelectual. O que dizia esse contrato? Que, de tudo o que o Roberto Carlos trouxesse de oportunidade comercial, 60% ficaria com ele e 40% com os Galácticos. Pensei, cara, o jogador é uma smart media brand, o clube é uma smart media brand e, juntos, criam um subproduto.
Como um veículo de negócio global, com contornos de entretenimento.
Exatamente. Por isso voltei para o Brasil e resolvi montar o meu próprio escritório. Não queria apenas implementar, mas participar dessa transformação. Atravessamos também uma segunda fase, nos anos 2000, com o crescimento de empresas como Facebook, Apple, Amazon e das redes sociais. Elas funcionam como um intermediário automático no negócio, pois, a partir do momento em que faço uma postagem, o [co-fundador do Meta, Mark] Zuckerberg controla quem verá o meu produto. Com a atual transformação digital, desfazemos a intermediação do conteúdo. Daí a nova era dos creators: se eu sou proprietário dos meus veículos de comunicação, tenho acesso direto ao meu público consumidor.
Foto: Tuca Reinés
A Roc Nation, de Jay-Z, acaba de anunciar a entrada no mercado brasileiro, através de sua divisão esportiva – o negócio foi mediado por Motta.
Ou seja, quando você não paga pela plataforma através da qual passa seu conteúdo, você se torna o produto.
Discuto isso o tempo todo nesses contratos. Discuto, inclusive, conteúdo digital. O cara quer, por exemplo, que o jogador crie um canal de YouTube e o clube tenha a senha e seja o vetor do conteúdo autoral. A pergunta que mais ouço é: “Como faço para entrar nessa área do esporte, da moda, do entretenimento?” Cara, esquece tudo e se debruça sobre propriedade intelectual. Tudo é propriedade intelectual: é meu nome, meu apelido esportivo, meu personagem, minha figura, meu avatar. Esse é o grande lance hoje em dia. Enquanto as pessoas ficam focadas em um plano muito linear de atuação, o mundo oferece oportunidades pluridimensionais.
Uma dessas oportunidades, parece, foi abocanhada pela Roc Nation, que acaba de anunciar a entrada no mercado brasileiro através da sua divisão esportiva. O que você pode nos contar sobre essa história?
Se eu puder te confessar uma coisa... Sempre me incomodou um pouco a visão sobre a advocacia esportiva. É a minha paixão, por isso estou nela há 25 anos, mas nunca gostei de ser reduzido a “advogado de jogador”. Minha percepção é mais ampla. Conheci a Roc Nation quando participei da assinatura do contrato de Neymar com a marca de fones de ouvido Beats que, na época, ainda fazia parte da Rockefeller Records, gravadora de Jay-Z. Com essa empresa, o rapper entendeu que ele próprio era o seu melhor produto: era a matéria-prima, a fábrica e o produto final. Levo isso como lição até hoje, em tudo que faço. Pois bem, no dia 17 de maio do ano passado, estava tomando café da manhã com a Babi [Beluco, modelo, criadora de conteúdo e esposa de Marcos] quando a Roc Nation, empresa de entretenimento de Jay-Z, passou pela minha timeline do LinkedIn. Mandei uma mensagem ao Alan Redmond [vice-presidente executivo da Roc Nation] e marcamos um café em Londres. Um mês depois, ele estava no Brasil, e levei-o a quatro agências esportivas, de perfis completamente diferentes. Após um ano, eles anunciaram a compra da agência de representações esportivas TFM, um negócio fechado através do nosso escritório. Foi uma grande realização minha, pois estamos falando do pico da pirâmide do entretenimento musical e global do mundo.
Quando você acha que o Brasil vai se tornar um player desse patamar na indústria do sportainment?
A gente está no meio do debate da criação de uma liga de futebol brasileira. É o que eu sempre falo: no Brasil, o foco não é o produto, mas o clube, ao contrário de outros mercados. Aqui é o Palmeiras, o Corinthians, o Flamengo. Na Europa, eles já veem o esporte como entretenimento. Este ano, por exemplo, a Roc Nation vai fazer todo o envelopamento [conteúdo, eventos e ativações de marketing] da Lega Calcio, que é a liga italiana de futebol. Outro exemplo: a empresa assinou com o Real Madrid, que inaugura um estádio em novembro, e vai providenciar todo o conteúdo do clube.
Mas estamos falando de um mercado nacional com muito potencial, não?
Cem por cento. O Brasil, hoje, é líder. Já estamos entre os países que mais baixaram a nova rede social do Mark Zuckerberg [Threads, lançada no início de julho deste ano]. O Brasil é trend toda hora. O meu passaporte de 25 anos de mercado é global, mas não é o azulzinho, nem era o verdinho de antigamente. O meu passaporte é a camisa do Brasil. Sou o Marcos Motta, Brazilian lawyer.
E do que você tem medo, enquanto profissional?
Poxa, excelente pergunta. Acho que meu maior medo é perder essa veia criativa. Outro dia estava revendo um post que fiz, trabalhando ao lado de um advogado mais velho em atividade, com 103 anos. Aí uma jovem advogada, com seus 22 anos, escreve: “Deus me livre de trabalhar até os 103 anos. Eu quero me aposentar”. Cara, a aposentadoria não significa deixar de trabalhar, mas continuar fazendo o que gosta sem a necessidade de cobrar por isso. Você passa a fazer, talvez, uma parte do seu trabalho pro bono, como comecei agora com a FIFA, atendendo jogadores que não têm a menor condição de contratar um advogado. Vou atender um caribenho, de uma ilhota, que está com problema contratual em um clube da Holanda; um cara que está no Oriente Médio com problema na Ásia. Essa talvez seja uma demonstração parcial da minha ideia de aposentadoria. Estou devolvendo um pouco de tudo que o esporte e o entretenimento me deram. Medo, para mim, é perder essa capacidade provocativa e cair num ostracismo mental, contraproducente. Acho que a diferença do Marcos de 52 e do Marcos de 80 ou 100 anos é que vou escolher melhor as batalhas.
É o famoso “choose your fight”.
É isso. Um jovem na fase inicial da vida não pode escolher; ele tem que lutar todas as batalhas que aparecerem. Perca ou ganhe, tem que lutar. É esse tipo de coisa que a gente tem que manter vivo sempre, porque quando isso acaba, talvez seja a hora de parar, né? Ou de falar: cara, deixa vir a nova geração, e eu vou virar um contador de histórias – algo que já comecei a fazer aqui com você [risos].