Guto Neves transforma material descartado em esculturas de mármore

Na poesia, mitate é uma figura de linguagem que, a depender do contexto, se assemelha à metáfora. Em resumo, é aquilo que ajuda a mesclar o real e o imaginário, tornar palpável algo que habitava o mundo das ideias. Na origem, o conceito japonês tem a ver com enxergar algo sob uma outra perspectiva, descobrindo novos significados ou possibilidades — "mi" significa "ver" e "tate", "colocar em um pedestal". Em seu trabalho, o artista Guto Neves transforma toda essa teoria em prática, encontrando uma nova função para objetos que seriam descartados.

O processo deu origem à obra mais recente do paulistano, a série de esculturas de parede "Obra Mármore". A partir do resgate de espumas e isopores de proteção industrial encontrados ao longo de anos em caçambas por São Paulo, ele desenvolveu peças feitas com mármore Sivec (que tem tons de branco e cinza) e, mais tarde, com a variação Nero Marquina (geralmente em preto).

Não fosse sua experiência com a moda, porém, ele talvez não tivesse chegado a esse ponto da carreira artística. Guto também é joalheiro e, antes de abrir o próprio ateliê, em 2015, trabalhou com nomes importantes do universo das joias e do design, como Jack Vartanian e os irmãos Campana. Enquanto produzia vitrines para uma das joalherias em que trabalhava, havia criado suas primeiras peças com o mineral, cubos para expor as joias.

"Criar algo que se possa ter nas mãos sempre foi a diretriz do meu pensamento. A diferença é que as pedras diminutas das joias agora se tornaram maiores, com outras facetas, protagonizando as esculturas", explica o artista.

Para a série "Obra Mármore", as referências vêm não só das transformações da metrópole, mas também da própria arte. Os movimentos da arte concreta e do neoconcretismo estão entre as principais referências de Neves, e se traduzem nas formas abstratas e geométricas das esculturas.

Pedra, serra, água, encaixe, cola, polimento, furo, suporte. O material industrial agora ganha vida nova, a começar pelo ritmo artesanal.