19 FANTASMAGORIA: Paolo Roversi

FANTASMAGORIA: Paolo Roversi

Arte

Compartilhe esse arquivo

Espectral, etérea, flutuante no espaço-tempo. A imagem de moda de Paolo Roversi é tema para uma grande exposição do Palais Galliera. De seu estúdio em Paris, o fotógrafo italiano atende à ligação da Numéro Brasil para uma conversa sobre o que é possível enxergar (e também aquilo que não se vê com o olho) ao longo de seus 50 anos de carreira.

  • Molly Bair, Chanel Alta Costura S/S 2015, Vogue Italia, Paris, 2015. Impressão cromogénica em papel Fujiflex. © Paolo Roversi

    Molly Bair, Chanel Alta Costura S/S 2015, Vogue Italia, Paris, 2015. Impressão cromogénica em papel Fujiflex. © Paolo Roversi Molly Bair, Chanel Alta Costura S/S 2015, Vogue Italia, Paris, 2015. Impressão cromogénica em papel Fujiflex. © Paolo Roversi

Paolo Roversi e eu temos um interesse em comum: fantasmas. Não a ideia de um fantasma em si, mas sua forma de representação visual – aquilo que está e não está, ao mesmo tempo, em um determinado lugar. Diante de um mundo saturado com imagens em alta definição, retocadas à (questionável) perfeição, a dissolução das normas e dos contornos que tradicionalmente dão corpo para a fotografia de moda tem sido parte do trabalho do italiano há 50 anos, reunido em uma grande mostra em Paris, em cartaz até o dia 14 de julho no Palais Galliera. Sob a curadoria de Sylvie Lécallier, as 140 obras que ocupam o espaço expositivo (impressões, polaroides e imagens de arquivo nunca antes exibidas ao público) refletem a beleza que há no intencional afastamento da realidade proposto pelo artista, onde a suspensão do conhecido dá lugar ao extramundano.

 

Espectrais, etéreas, blurry, da ordem dos sonhos, flutuantes no espaço-tempo: muitas das imagens de Paolo são executadas através de uma técnica que colocou em prática a partir da década de 1990, quando empunhou sua lanterna portátil Mag-Lite para iluminar pontos focais nas composições que clicava, criando uma sensação de movimento que sangra pela foto. É uma dessas coisas mágicas que acontece, de vez em quando, na fotografia: a ausência do foco com precisão nítida que cria o efeito de insubstancialidade de seus modelos é justamente aquilo que materializa, com substância, sua linguagem particular.

 

Paolo tem 76 anos e vive em Paris, para onde mudou-se de Ravena logo após completar os estudos (diz a lenda que, ao chegar na cidade, ofereceu-se para prestar assistência ao fotógrafo Guy Bourdin, que teria dado a recusa baseado tão somente no fato de que Roversi nasceu sob o signo de Libra). É também lá que fica seu estúdio, de onde explicou, nesta conversa exclusiva, que não enxerga sua primeira grande exposição na capital francesa como uma retrospectiva, mas um “diário das últimas cinco décadas” pelo qual o visitante poderá fazer “uma pequena viagem”. E que viagem.

  • Audrey Tchekova, Atsuro Tayama S/S 1999, Paris, 1998. Impressão cromogênica em papel Fujiflex. © Paolo Roversi

    Audrey Tchekova, Atsuro Tayama S/S 1999, Paris, 1998. Impressão cromogênica em papel Fujiflex. © Paolo Roversi Audrey Tchekova, Atsuro Tayama S/S 1999, Paris, 1998. Impressão cromogênica em papel Fujiflex. © Paolo Roversi
  • Sihana, Comme des Garçons A/W 2023-2024, Paris, 2023. Impressão em carvão. © Paolo Roversi

    Sihana, Comme des Garçons A/W 2023-2024, Paris, 2023. Impressão em carvão. © Paolo Roversi Sihana, Comme des Garçons A/W 2023-2024, Paris, 2023. Impressão em carvão. © Paolo Roversi
  • Lida et Alexandra Egorova, Alberta Ferretti A/W 1998-1999, Paris, 1998. Polaroid original. © Paolo Roversi

    Lida et Alexandra Egorova, Alberta Ferretti A/W 1998-1999, Paris, 1998. Polaroid original. © Paolo Roversi Lida et Alexandra Egorova, Alberta Ferretti A/W 1998-1999, Paris, 1998. Polaroid original. © Paolo Roversi
  • Luca Biggs, Alexander McQueen A/W 2021-2022, Paris, 2021. Impressão em carvão. © Paolo Roversi

    Luca Biggs, Alexander McQueen A/W 2021-2022, Paris, 2021. Impressão em carvão. © Paolo Roversi Luca Biggs, Alexander McQueen A/W 2021-2022, Paris, 2021. Impressão em carvão. © Paolo Roversi

1/4

É muito bom ouvi-lo falar sobre sua conexão com as roupas, no sentido de que elas inspiram. Isso é algo que sempre o acompanhou ou foi desenvolvido com o tempo?

Sabe, quem quer ser um fotógrafo de moda precisa gostar de moda e estar envolvido com a moda. Caso contrário, é melhor tirar outro tipo de foto – de carros, paisagens ou qualquer outra coisa. Mas, se quiser tirar fotos de moda, você precisa estar animado e entusiasmado com a moda. Se isso não acontecer, será difícil. Nunca decidi ser um fotógrafo de moda. Desenvolvi esse interesse aos poucos. Entender o espírito da coisa, criar uma compreensão, ter a capacidade de interpretar a moda à minha frente: isso aconteceu por acaso, e tive sorte de ter sido assim – gosto muito de fazer o que faço.

 

Você acha que, na sua carreira, houve estilistas cuja moda se relacionou mais com o seu trabalho?

Sim, acho que sim. Não mais relacionada ao meu trabalho, mas a mim e aos meus sentimentos, sabe? À minha sensibilidade, com certeza.

 

Bem, você teve colaborações de longo prazo com estilistas como Rei Kawakubo e Yohji Yamamoto. São esses os criadores de que estamos falando?

Sim, sim… John Galliano também é um deles. E Azzedine Alaïa também foi um deles. Eles vinham com frequência ao meu estúdio para me ajudar a tirar fotos. Azzedine Alaïa ficava dentro do estúdio, ele mesmo vestia as modelos – e o mesmo aconteceu com Galliano e Yohji. Mesmo assim, eles me davam liberdade. E isso também é importante

  • Kirsten Owen, Romeo Gigli S/S 1988, Londres, 1987. Polaroid original. © Paolo Roversi

    Kirsten Owen, Romeo Gigli S/S 1988, Londres, 1987. Polaroid original. © Paolo Roversi Kirsten Owen, Romeo Gigli S/S 1988, Londres, 1987. Polaroid original. © Paolo Roversi

Você fez uma quantidade abundante de imagens ao longo de 50 anos. No entanto, do lado de fora da exposição, parece que vivemos em um momento em que abundância também significa uma sobrecarga de fotos. Como se sente em relação a esse excesso de imagens que estamos vendo agora?

Bem, acho que são fotos demais, é muita coisa, sabe? E todas essas imagens que criamos... As pessoas registram muitas imagens sem um motivo, sem uma visão real. E, para mim, elas não são nem mesmo fotografias. Para mim, uma foto deve ser tirada com um motivo e com o coração. Não é apenas um snapshot, tirado em qualquer lugar.

 

O termo “snapshot” nos remete imediatamente à forma como as fotos são compartilhadas nas mídias sociais. Qual é a sua opinião sobre o Instagram?

Minha opinião sobre o Instagram? Eu tenho uma conta no Instagram, coloco algumas imagens lá, mas não sou muito fã. Prefiro as impressões, as fotos em papel. Não gosto de imagens sem vida, sem uma dimensão real e uma presença real. Todas essas imagens flutuando na tela – você move o dedo e uma imagem desaparece, depois aparece outra –, não gosto disso.

  • Guinevere van Seenus, Yohji Yamamoto S/S 2005, Paris, 2004. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi

    Guinevere van Seenus, Yohji Yamamoto S/S 2005, Paris, 2004. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi Guinevere van Seenus, Yohji Yamamoto S/S 2005, Paris, 2004. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi
  • Jérôme Clark, Uomo Vogue, Paris 2005. Impressão cromogênica em papel Fujiflex. © Paolo Roversi

    Jérôme Clark, Uomo Vogue, Paris 2005. Impressão cromogênica em papel Fujiflex. © Paolo Roversi Jérôme Clark, Uomo Vogue, Paris 2005. Impressão cromogênica em papel Fujiflex. © Paolo Roversi

1/2

Então você também está falando sobre a materialidade de uma foto.

Sim, exatamente.

 

Acho que essa sobrecarga de imagens tem a ver não apenas com a facilidade de ter uma câmera no telefone, mas também com a velocidade do mundo. Você acha que o ritmo acelerado em que vivemos influenciará as novas gerações de fotógrafos?

Com certeza. Acho que o mundo está mudando muito rapidamente. E agora, todas essas mídias diferentes, do iPhone ao Instagram, estão criando uma maneira diferente de ver as imagens e uma maneira diferente de se comunicar por meio de imagens. Costumávamos trabalhar para revistas que saíam uma vez por mês ou uma vez por semana, e isso já era lento. Agora é muito diferente.

 

Falando sobre tempo, há a velocidade de fazer imagens, mas também o tempo necessário para se desenvolver uma linguagem fotográfica, certo?

Sim, leva tempo. Por exemplo, se você quer tocar piano, leva tempo para se tornar um bom pianista. Você pode facilmente começar a mover seus dedos pelas teclas e tocar algumas notas, mas, para interpretar Chopin muito bem, leva tempo – muito tempo.

 

Quando foi que você percebeu pela primeira vez que tinha sua própria linguagem na fotografia?

Não sei. Mesmo agora, não sei se tenho uma [risos]. Sinto que a fotografia é uma linguagem, com certeza, e você pode se expressar e se comunicar por meio dela, sim. Mas não tenho certeza se faço isso bem o suficiente.

 

Você teve a oportunidade de estabelecer colaborações duradouras com editores de moda, como Franca Sozzani. Como foi isso? Parece que esse tipo de relação está cada vez mais rara hoje, não?

Sim, infelizmente. Minha colaboração com Franca Sozzani na Vogue Italia foi muito importante em minha carreira, porque Franca era criativa, mas, ao mesmo tempo, nos dava total liberdade de expressão, liberdade para contar nossas histórias em sua revista. E ela tinha uma visão real de uma revista de moda. Isso não existe mais

  • Lampe, Paris, 2002. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi

    Lampe, Paris, 2002. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi Lampe, Paris, 2002. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi

Acho que tudo era menos voltado a fins comerciais. Hoje, é muito comum ter moodboards e tudo o mais. Como era o processo naquela época?

Começamos com uma ideia – uma pequena ideia ou nem mesmo uma ideia completa, apenas um clima, sabe? Apenas algumas palavras. Então algo acontecia, depois eu escolhia as modelos e as fotografava para a matéria. Aí eu enviava a matéria e ficava sempre esperando para ver se ela [Franca] gostava ou não. Eu nunca tinha certeza se ela iria gostar do meu trabalho, mas foi uma colaboração muito interessante. Ela sempre me deu opiniões muito fortes.

 

Ouvi você dizer que se considera um “fotógrafo de identidade”, no sentido de que não está interessado apenas na superfície, mas no que está por baixo.

Minha conexão é com o coração. Sempre tendo a tirar fotos com meu coração, não com minha mente ou por meio de algo racional, algo lógico. É apenas uma questão de sentimentos e emoções. Tudo gira em torno disso. E, quando estou diante do assunto que fotografo, tento encontrar uma relação forte de sentimentos, de emoção.

 

Gosto quando você diz que gosta do conceito de acidentes.

Ah, sim. Eu gosto muito disso. Nunca gosto de ter uma ideia, um projeto ou uma imagem e tentar reproduzir exatamente isso. Gosto de me surpreender quando algo inesperado acontece. Eu prefiro assim.

  • Audrey Marnay, Comme des Garçons A/W 2016-2017. Impressão em carvão. © Paolo Roversi

    Audrey Marnay, Comme des Garçons A/W 2016-2017. Impressão em carvão. © Paolo Roversi Audrey Marnay, Comme des Garçons A/W 2016-2017. Impressão em carvão. © Paolo Roversi
  • Tami Williams, Christian Dior A/W 1949-1950, Paris, 2016. Impressão em carvão. © Paolo Roversi

    Tami Williams, Christian Dior A/W 1949-1950, Paris, 2016. Impressão em carvão. © Paolo Roversi Tami Williams, Christian Dior A/W 1949-1950, Paris, 2016. Impressão em carvão. © Paolo Roversi
  • Lucie de la Falaise, Paris, 1990. Impressão em carvão. © Paolo Roversi

    Lucie de la Falaise, Paris, 1990. Impressão em carvão. © Paolo Roversi Lucie de la Falaise, Paris, 1990. Impressão em carvão. © Paolo Roversi
  • Sasha Robertson, Yohji Yamamoto A/W 1985-1986, Paris, 1985. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi

    Sasha Robertson, Yohji Yamamoto A/W 1985-1986, Paris, 1985. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi Sasha Robertson, Yohji Yamamoto A/W 1985-1986, Paris, 1985. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi
  • Anna Cleveland, Comme des Garçons S/S 1997, Paris, 1996. Polaroid original. © Paolo Roversi

    Anna Cleveland, Comme des Garçons S/S 1997, Paris, 1996. Polaroid original. © Paolo Roversi Anna Cleveland, Comme des Garçons S/S 1997, Paris, 1996. Polaroid original. © Paolo Roversi

1/5

Mas hoje tudo parece muito controlado, parece que não há muito espaço para esses tais acidentes.

Sim, sim. É verdade o que você diz. Você tem que ver os produtos, as bolsas, os sapatos, tudo, muito nítido. Agora, o produto é cada vez mais importante. E o espírito e o feeling são menos importantes, sabe?

 

Sim. E... Não sei se você concorda, mas, quando diz que gosta de acidentes, também interpreto essa frase no sentido de que você gosta de deixar espaço para as pessoas terem um pouco de imaginação quando olham para o seu trabalho.

É verdade. Acho que todo mundo pode sentir o que quer ao olhar uma imagem. Cada pessoa pode ver o que quer, o que não pode ver e ainda o que gostaria de ver. Isso é muito importante para mim. Eu gosto quando os jovens, como as crianças, olham minhas fotos e dizem o que imaginam quando estão na frente delas. Eles podem sentir e pensar, mas também sonhar, enquanto olham para minha foto.

 

“Sonhador” e “sonho” são algumas das palavras frequentemente usadas para descrever seu trabalho. Fiquei curiosa para saber, com o que você sonha?

Meus sonhos? Meus sonhos são muito confusos. Posso dizer que fico muito confuso o tempo todo, mas sempre penso que gostaria de ter uma câmera para tirar fotos dos meus sonhos. E também para tirar fotos de pessoas que não estão mais aqui. [Pausa] Não sei onde elas estão. Eu tiraria fotos delas. Na verdade, eu gostaria de tirar fotos do invisível, sabe? Tirar fotos de fantasmas, de espíritos. Eu adoraria fazer isso.

 

E eu gostaria muito de ver.

Eu mostraria a você, mas não consigo encontrar uma câmera que faça [risos].

  • FANTASMAGORIA: Paolo Roversi FANTASMAGORIA: Paolo Roversi
  • Kirsten Owen, Romeo Gigli A/W 1988-1989, Londres, 1988. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi

    Kirsten Owen, Romeo Gigli A/W 1988-1989, Londres, 1988. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi Kirsten Owen, Romeo Gigli A/W 1988-1989, Londres, 1988. Impressão pigmentada em papel baritado. © Paolo Roversi
  • Audrey Marnay, Comme des Garçons S/S 1997, Paris, 1996. Impressão em carvão. © Paolo Roversi

    Audrey Marnay, Comme des Garçons S/S 1997, Paris, 1996. Impressão em carvão. © Paolo Roversi Audrey Marnay, Comme des Garçons S/S 1997, Paris, 1996. Impressão em carvão. © Paolo Roversi
1/3