Existe um quê emblemático na união entre a renda e a chita. Por trás de suas texturas e padrões, esses tecidos são, de fato, artefatos culturais que se desdobram em tramas de memória e identidade brasileira. A exposição “Nó – O Enlace da Renda e da Chita”, em cartaz na Casa Fiat de Cultura até 1º de dezembro de 2024, coloca as duas tradições têxteis lado a lado e tece um diálogo poderoso entre o artesanal e o design, entre o passado ancestral e a moda contemporânea.
A história da chita no Brasil é um conto de ressignificação – importado para o país pelos portugueses no período colonial, o tecido teve origem nas tradições da Índia. Aqui, a chita ganhou novas leituras, permeando o imaginário coletivo com cores e estampas audaciosas. Foi nas festas populares, nas celebrações religiosas, nas feiras e na arte de rua que se enraizou como um símbolo de brasilidade: seu caráter democrático, acessível e festivo representa o espírito nacional.
Fotos: Leo Lara
A renda, delicada e complexa, percorreu um caminho diferente, mas igualmente significativo: com raízes fincadas na tradição da Europa, chegou ao Brasil e se metamorfoseou nas mãos habilidosas das artesãs que, geração após geração, mantiveram vivo o ofício. O tecido encontrou uma nova forma de expressão, resultado do trabalho minucioso de mulheres, especialmente em regiões costeiras e rurais do país, que perpetuaram a técnica intemporal. A renda perdura como um símbolo de elegância, sem perder a conexão com a origem artesanal.
É nesse jogo entre o popular e o sofisticado, entre o vibrante e o intrincado, que a exposição opera. Com curadoria de Carolina Bicalho, Renata Mellão, Silvia Fernandes e Sonia Kiss, a mostra reúne criações de 25 estilistas brasileiros – de visionários e já consagrados como Ronaldo Fraga, Graça Ottoni e Glória Coelho – até olhares frescos de uma nova geração, como Criola e Aislan Batista. Mais do que peças de vestuário, os designs expostos são afirmações da moda como uma plataforma de expressão cultural e um campo fértil para a fusão entre o global e o local.
Fotos: Leo Lara
A divisão da exposição em quatro núcleos temáticos funciona como um roteiro para entender o impacto destes tecidos na construção da identidade brasileira – “A Trama de Todos Nós” destaca a capacidade de criativa e diversa do país, enquanto “O Desenho de Linhas e Flores” faz uma homenagem à força das mulheres na preservação de tradições orais e visuais. O núcleo "O Precioso Popular" volta seu olhar atento às formas, composições e significados que a cultura da moda revela de maneira intrínseca. Já "O Enlace do Fio e do Corpo" ressalta a íntima conexão entre formas e corpos, transformando essa interação em narrativas estéticas que ecoam em um manifesto.
Fotos: Leo Lara