10 Duran Lantink: o quebra-regras

Duran Lantink: o quebra-regras

Moda

Aos 36 anos, o holandês Duran Lantink vestiu Beyoncé, venceu o prêmio especial do Andam, foi finalista do prêmio LVMH e desfila as coleções de sua marca homônima na semana de moda de Paris – conjunto de louros que posiciona um estilista na chamada trajetória de sucesso. E não é que o segredo dela parece estar, justamente, na transgressão dos valores tradicionais da moda?

 

“É claro que não”, responde Duran Lantink, categórico, quando pergunto se a sua próxima coleção está pronta. No dia em que atendeu meu telefonema, o calendário acusava que estávamos a apenas 23 dias de seu desfile para o inverno 24/25, o terceiro que o estilista nascido em Haia, na Holanda, apresenta como parte do lineup oficial da semana de moda de Paris. No entanto, as roupas que vão riscar a passarela são objeto de elaboração já há algum tempo: Duran enxerga suas peças como parte de um experimento contínuo, que teve início no exato momento em que fundou sua marca, em 2016. Com exclusividade para a Numéro Brasil, ele explica como isso funciona.

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Foto: Paul Kooiker

Uma das primeiras perguntas que um estilista ouvirá antes de apresentar uma coleção, invariavelmente, será sobre sua inspiração. Na temporada passada, você disse não ter uma mensagem pré-determinada – disse que a sua linguagem é a experimentação, algo em constante movimento.

Antes de entrar no lineup de Paris, nunca havia me ocorrido categorizar uma coleção sob uma temporada. As coleções eram “primavera- verão-outono-inverno”, só para ferrar com a ideia de que a moda opera somente através de estações. Existem diversos países que não têm um período rigorosamente de inverno.

 

Como o Brasil, por exemplo.

Exatamente. Qual uso o Brasil vai fazer de uma jaqueta puffer em outubro? Somos um estúdio experimental e aprecio o fato de que podemos ter certa ludicidade. Então, para me alinhar a essa lógica, estamos em uma jornada na qual refletimos de quais maneiras será possível redescobrir clássicos. Por exemplo: estamos desenvolvendo hotpants de esqui neste exato momento. Você consegue esquiar de hotpants? Aí é que está: ainda estamos jogando com a ideia de outono e inverno, mas estamos fazendo isso dentro de nossos próprios termos. Faz sentido para você?

 

Faz, totalmente.

Não é tentar “quebrar o sistema”, mas entender como se pode experimentar com a lógica sob a qual ele foi construído. Dias atrás, durante uma prova de roupa no ateliê, alguém mencionou que estávamos tentando pensar mais “conceitualmente”. E eu questionei: a essa altura, o que “conceitual” significa, sabe?

 

Sei. Mas há um “conceito” que permeia a sua moda, que é o reaproveitamento de tecidos ou peças inteiras. O que te atrai nisso?

Desde muito pequeno sou obcecado por peças de roupa – jaquetas, saias, o que seja –, mas sempre quis transformá-las em algo novo. Eu cortava, misturava. Estava criando uma identidade própria a partir de itens que já existiam. Em determinado momento, enquanto estudava [na Gerrit Rietveld Academie e no Sandberg Instituut, em Amsterdã], havia uma conversa sobre reaproveitamento. Nunca foi algo do tipo “precisamos fazer algo sustentável”, sempre foi sobre reutilizar o que já havia sido produzido.

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Fotos: Divulgação/Duran Lantink

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Para a última coleção, você usou 95% de dead stock. Como isso se traduz na hora de ampliar o que é visto na passarela para uma linha que chega a diferentes pontos de venda?

Minhas coleções estão na Dover Street Market em Nova York, Los Angeles e Paris. E, devo dizer, atualmente há fontes muito boas para esse tipo de matéria-prima; sinto que a indústria de tecidos está muito mais atenta para o uso de estoque parado, reciclagem, todas essas coisas. Há 10 anos, era praticamente impossível fazer sete casacos do mesmo tipo. Agora, conseguimos ampliar um pouco mais a produção.

 

No seu processo criativo, é o tecido (ou peça encontrada) que dá início ao design, ou é o contrário, você elabora o desenho e procura pelo material ideal?

Ah, isso é muito divertido. Nós de fato brincamos muito com o que já existe, mas também posso criar formas no meu computador, que depois serão traduzidas em 3D pelo estúdio. Há diferentes maneiras de trabalhar. Às vezes, acho difícil, quase chato, começar pelo tecido. Vejo um material e penso: o que podemos fazer com ele? Pois ele é tão... plano [risos]!

 

Bem, a volumetria é, claramente, um elemento que não passou despercebido nas suas últimas coleções. De que forma esse recurso entrou no vocabulário da marca?

Fizemos uma jaqueta com uma espécie de vestido-espartilho, coberto por estampa de cobra, e colocamos muito acolchoamento. Quando vimos esse shape tão bonito surgindo, pensamos: “uau, precisamos fazer isso”. Então, colaboradores muito talentosos do meu ateliê começaram a desenvolver essas formas. Porque, na verdade, não dá para melhorar uma jaqueta Levi’s ou um vestidinho preto. Daí pensei: e se apenas mudássemos a forma? Como seria se mudássemos o formato de uma camiseta branca? É difícil encontrar maneiras de trabalhar com os clássicos para torná-los seus. Para mim, isso também é uma forma de “quiet luxury” – eu não chamaria a Loro Piana de “quiet luxury”, por exemplo. Os tecidos são tão absurdamente caros.

 

Eles gritam luxo, né?

Gritam. Você vê isso a uma distância de mil metros [risos].

 

O que veremos na sua próxima coleção?

Gosto da ideia de observar um clichê, como a mulher que viaja até Saint-Moritz [Suíça], tem seu momento après-ski, desce a montanha em direção ao bar para tomar champanhe – ela é uma esquiadora preguiçosa, entende o que quero dizer? Estamos brincando com essa figura; é um aceno bem-humorado a ela, obviamente nada sério. Então, além das hotpants para a neve, teremos calças-bolha para esqui, esse tipo de coisa. É um jogo com o esqui, no qual nos perguntamos: sobre o que é o inverno? Estamos tentando entender como isso será traduzido. Mas, até lá, acho que temos tempo.

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Foto: Divulgação/Duran Lantink