“Meu amor pelas roupas me interessa profundamente. Só que não é amor; o que é, eu preciso ainda descobrir”, escreveu Virginia Woolf (1882-1941) em seu diário, em 1925. Nos textos que a escritora britânica dedicou à ideia de estilo, é possível ler pelas entrelinhas uma relação complexa, frequentemente descrita como conflitante, com o assunto. Seus acenos ao vestuário e à linguagem do vestir estão presentes não apenas em anotações pessoais, mas também em fragmentos de sua obra – em um primeiro esboço do livro Mrs. Dalloway, a conhecida primeira linha do romance não falava de flores, mas de luvas (“Mrs. Dalloway said she would buy the gloves herself”), segundo conta a revista New Yorker. Em outros momentos, a roupa do outro se tornava também um objeto de exame para Woolf, que certa vez colocou por escrito a beleza do tecido “brocado de nuances azuis” vestido por Gertrude Stein.
De acordo com o escritor e crítico de moda Charlie Porter, a autora reconhecia que para entender os humanos, era preciso entender o que eles vestem, de modo a aceitar que “as roupas não são uma mera pontuação decorativa”. Na trajetória pessoal de Woolf, no entanto, esse diálogo carregava marcas do contexto vitoriano em que cresceu: Virginia e a irmã, Vanessa Bell, foram criadas em uma época em que esperava-se que as jovens de uma determinada classe social se vestissem formalmente para jantar na sala de casa, por exemplo. E faziam isso portando espartilhos (que Woolf odiava) sob modelos de roupa restritivos, nos quais Porter enxerga uma metáfora para o que uma mulher deveria ser e como deveria se comportar, de acordo com a sociedade.
Fotos: Getty Images
Esse recorte é uma das partes que integra o livro “Bring no Clothes: Bloomsbury and the Philosophy of Fashion” (2023, Penguin Books), no qual Porter faz uma investigação em torno dos significados do vestir para o coletivo artístico inglês Bloomsbury Group – obra que se desdobra também em uma exposição em Charleston in Lewes, na Inglaterra. O nome da publicação vem de uma carta enviada em setembro de 1920 ao poeta T.S.Elitot, em que Woolf orientava: “Te aguardamos no sábado. Por favor não traga roupas; vivemos em um estado de grande simplicidade”. Em outras palavras, a instrução da anfitriã dizia ao convidado que, naquela casa, as normas do que seria um “traje adequado” não existiam e que ele não deveria se preocupar, ou se conformar, com as expectativas da vestimenta na hierarquia social vigente.
Para Porter, o melhor jeito de entender o visual pelo qual Woolf se tornou conhecida (vestidos mídi ou longos, de mangas compridas, quase sempre abotoados até a altura do pescoço e com caimento desprendido da silhueta) não está em compreendê-lo como um “novo look”. Pelo contrário: para ele, o radicalismo no vestir da escritora está justamente na recusa consciente de um estilo antigo e opressivo.
Na mostra, é possível ver itens do guarda-roupas da autora, ao lado de peças que ilustram a influência do Bloomsbury Group em criadores de moda contemporâneos, como o estilista Kim Jones: à frente da linha couture da Fendi, em janeiro de 2021, o designer foi motivado pelas memórias de sua própria infância (Jones cresceu em uma região próxima a Charleston, casa onde os artistas Vanessa Bell e Duncan Grant viveram e que foi um dos pontos de encontro do grupo) e buscou ainda referências em “Orlando”, publicado por Woolf em 1928. Para o verão 2023 da Dior, a maison francesa da qual é o diretor criativo para a linha masculina, Jones olhou para os motivos presentes da obra de Grant – que integram a mostra no formato de um suéter de tricô feito à mão.
A exposição “Bring no Clothes: Bloomsbury and Fashion” fica em cartaz até o dia 03 de março de 2023.
Fotos: Divulgação/Above Ground Studio
