A cidade é Londres, e o ano é 2022. O endereço é 99 Kensington High Street, quinto andar. Quando a porta do elevador se abre, encaro uma recepção ante um espaço amplo, preenchido por incontáveis aparelhos de musculação. Estou na Equinox, academia cinco-estrelas, a primeira fora da América do Norte, cujos membros são uma mistura de expatriados americanos, moradores do bairro de Kensington e uma nova geração de estrelas do pop.
Um instrutor me acompanha em um tour pelos quase três mil metros quadrados do espaço, e tenta me convencer de assinar o plano mensal do clube. Tento prestar atenção no que ele me diz, mas as janelas em estilo art noveau e o teto abobadado, com uma claraboia enorme no centro, me distraem. A vontade é de aceitar qualquer proposta de membresia que ele me oferece, não pelos inúmeros benefícios que aulas de yoga em pleno meio-dia ou tratamentos faciais de luz pulsada poderiam me trazer, mas pelo absurdo fato que este mesmo local foi outrora conhecido como o epicentro da moda em Londres nos Swinging Sixties. Estou na Biba.
Fotos: Getty Images
Antes de se tornar um health club norte-americano, o quinto andar do número 99 da High Street do bairro de Kensington era um restaurante chamado The Rainbow Room, onde Mick Jagger, Marianne Faithfull e Twiggy se encontravam para dançar ao som de David Bowie e The New York Dolls. O local foi parte do complexo da Big Biba – a grande e última Biba –, considerada à época a loja de departamento mais sexy (e vanguarda e lucrativa) do mundo. A Biba foi um império: fez do varejo um teatro, do consumismo um lazer. Foi produto e, ao mesmo tempo, sintoma de um consumo pós-guerra. Foi tão experimental, que não há de se repetir.
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Para além do sex appeal, a Biba foi a primeira marca a lançar o conceito de lifestyle – da roupa à casa – consequência do seu "espírito livre e rebelde", como descreve a fundadora Barbara Hulanicki, na autobiografia From A to Biba (V&A Publishing, 2018). Hulanicki e o marido Stephen Fitz-Simon criaram a marca para as adolescentes e jovens britânicas terem o que vestir – literalmente. E o timing para isso era perfeito: nove anos antes da fundação da Biba, a estilista Mary Quant fez barulho nas ruas de Londres com a propagação da minissaia; em novembro de 1960, um júri inocentou a editora britânica Penguin Books e pôs fim à censura de O Amante de Lady Chatterley, clássico erótico de D.H. Lawrence, dando início a uma era mais permissiva quanto às artes e à literatura; e na primavera de 1964, André Courrèges apresentou a coleção Space Age, em Paris, acenando às modas criadas em Londres e também por Hulanicki.
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A Biba foi um império: fez do varejo um teatro, do consumismo um lazer. Foi produto e sintoma de um consumo pós-guerra. Foi tão experimental, que não há de se repetir.
No ritmo da Londres vibrante da segunda metade da década de 1960, as silhuetas da Biba eram longilíneas, e os decotes profundos. Mangas longas, quadris retos, cinturas baixas. Os looks criados por Hulanicki carregavam influência estética das ilustrações que a estilista fazia enquanto ilustradora, antes de se tornar empresária e designer de moda. "A silhueta era a mais comprida possível, como um desenho", disse Hulanicki.
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Se a ascendência da Biba foi exponencial, assim também foi a queda. No verão de 1973, a empresa de investimento imobiliário British Land tornou-se proprietária da marca, e a aquisição nada tinha a ver com o viés do negócio, mas com o interesse financeiro no prédio da Kensington High Street. Altas taxas de inflação no mercado imobiliário seguidas de uma nova gestão sinalizaram o fim de uma era orquestrada por Hulanicki e Fitz-Simon. O casal perdeu todo e qualquer controle sobre o nome da marca que criaram.
Em 2024, contudo, a Biba (ou que restou dela) se desloca para outro endereço: 83 Bermondsey Street, no Fashion Textile Museum. A exposição “The Biba Story, 1964-1975” conta a história em detalhes cronológicos, desde o começo da boutique em Abingdon Road aos sete andares ocupados na High Street de Kensington. Há looks expostos em estilo vitrine (coisa que, ironicamente, a Biba nunca teve), separados por décadas e creditados aos colecionadores que cederam as peças para a exposição. Há também muito preto, muito roxo e muito dourado, do piso às paredes, afinal, eram e ainda são as cores favoritas de Hulanicki. O público? Uma visível maioria de mulheres na faixa dos 70 anos, com cabelos grisalhos e curtos, engajadas o suficiente para apontarem uma para outra as roupas que costumavam usar na adolescência e descreverem a sensação de estar na Biba – de novo.
A exposição “The Biba Story, 1964-1975” fica em cartaz até o dia 08 de setembro de 2024, em Londres.
Fotos: Getty Images e Rachel Sabino